segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Sobre reticências e surpresas

Eu era reticente. Ele me dizia que era cheio de exclamações, enquanto eu, cheia de reticências. Quando acabamos, restavam as reticências, para ele; para mim, nada. Não havia mais exclamações para ninguém ali, havia duas pessoas completamente diferentes do início. Duas pessoas endurecidas pelas bombas despejadas sobre suas cabeças durante o ano. Duas pessoas que não podiam estar juntas, não mais.
Com o tempo, aposentei minhas reticências. Tornei-me incisiva e direta - esconder as verdades deixou de ser um hábito meu. Tornei-me também um tanto cínica, passei a planejar minhas ações, como ele mesmo dizia fazer. Fui mudando gradativamente, até que, por completo, deixei de ser a "moça" que ele conheceu.
E ontem ele teve a chance de notar isso.
Meus cabelos eram cacheados. As roupas diziam muito sobre o meu momento, naquela época: machucadas, desleixadas e desengonçadas. Minha baixa auto-estima não permitia que eu fizesse nada que não agradasse a ele e a quem quer que seja. Minha educação não permitia que eu destratasse ninguém.
Ontem fui assistir um filme sem gração, mas estava acompanhada. Quando o filme acabou e levantei-me da poltrona, lá estava ele, na última fileira: o cara que mais me fez chorar em toda a minha vida. De início, tomei um susto. "Caralho! Logo aqui? Ele não tinha outro dia ou outro lugar para assistir a porra do filme não?" Depois, me diverti com a situação. Ele, com uma feição de surpresa, estava monossilábico, a minha companhia era só abraços e beijos etc e, de repente, eu não tive mais medo ou frio na barriga. Estava tratando com uma pessoa comum, um conhecido. Era assim que sentia. Ele me olhava como se estivesse vendo outra pessoa. E era, de fato: aposentara os cachos, o vestido estava muito bem passado, obrigada, o jeito não era mais desleixado e inseguro. Dominei completamente aquela situação, enquanto ele me olhava, sem jeito. E fui embora, bem feliz como entrei, enquanto ele coçava a cabeça, com um olhar perdido.
Nem um frio na barriga, nem uma lágrima. Deixei pra trás, enfim, o pesadelo.