sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Era uma vez uma jornalista

Contagem regressiva e um capítulo pronto. O livro desencantou, enfim. Agora tá indo.

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A minha primeira entrevista, na faculdade, foi estranha. Eu tinha que fazer uma matéria para uma disciplina de redação, uma coisa boba. Era lá no Lobato, um bairro da periferia de Salvador. Eu devia ter 18, 19 anos. Queria mudar o mundo.
Tá, não faz muito tempo.
Me lembro de como eu estava com medo. Falar com pessoas que não conhecia nunca foi um problema pra mim, mas, definitivamente, fazer matérias, eu não queria, não gostava, não era a minha.
O bairro estava com um problema de água. A Empresa Baiana de Águas e Saneamento simplesmente tinha dito que havia feito o trabalho de saneamento básico daquela rua, mas, na verdade, colocou uns canos e alguém levou o dinheiro embora. Me lembro como aquilo me deixou indignada. A moradora que entrevistei me disse que, num dia de chuva, uma enxurrada de esgoto entrou em sua casa. Aquilo me deu um desespero tão grande, tão grande, eu simplesmente queria resolver o problema daquela mulher. E não sabia como; talvez na minha ingenuidade tardia, tivesse a esperança de que, com meu texto, pudesse fazer alguma coisa.
Entrevistei todos, falei que tentaria ver o que fazer.
Liguei para a Embasa naquele dia, todos os funcionários com que falei ignoraram-me solenemente. Fiquei arrasada por não poder resolver o problema daquelas pessoas. Chorei, revoltada pela inutilidade da minha profissão: todo o tempo, via os malditos escreverem sobre os problemas dos outros, mas não sobre o que aconteceu depois, o que aconteceu com aquelas pessoas que, no estado de miséria em que se encontravam, foram motivo de matérias em jornais.
Eles não pensavam nisso.
Nem mesmo o meu professor de redação (número tal).
Depois daquele dia, várias vezes me vi em situações onde queria ajudar meus entrevistados. Mas, impotente, não podia fazer nada. Meus textos eram inúteis, serviriam apenas para nota, a maldita nota.
Evitei, então, durante todo o curso, fazer matérias. Escrevi crônicas, desenhei, escrevi reportagens sobre muitos temas. Mas evitei os assuntos que me traziam dor; as pessoas por quem não podia fazer nada, de quem só poderia extrair histórias.

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Me formo, daqui há poucos meses, com a sensação de que, blá, tenho um ensino superior completo, mas que não sou totalmente jornalista. Não tenho vontade de correr atrás da maldita notícia. Não tenho a pressa dos jornalistas habituais, nem o ego deles. Não quero escrever sobre as mazelas da minha cidade, do estado, sei lá, com o olhar de quem está no papel de analisar, apenas.

Eu quero, sempre quis mais. Por isso escolhi o desenho. Posso retratar o que quiser, do modo que quiser. Ontem terminei de ler Maus, do Art Spiegelman. Ele simplesmente conseguiu contar a história dos seus familiares nos campos de concentração da Europa num livro em quadrinhos. E ganhou um (ou dois?) Pulitzer. O outro livro que leio, agora, conta a história dos conflitos na Palestina. Em quadrinhos.

Poucos meses para eu me formar em Jornalismo. E, na verdade, precisei de cinco anos pra descobrir que não quero ser jornalista.

Sou muito mais feliz com o desenho. Sinto que posso desenhar algo que signifique, que represente algo. Que seja útil, importante para mudar alguma coisa.

Por enquanto, estudo bastante desenho. Enquanto não posso ainda desenhar grandes histórias - ainda não tenho habilidade suficiente - escrevo-as, imagino-as. E já estou muito feliz, imagine.